sexta-feira, 20 de julho de 2012

Assaltos e pânico no caminho

Uma dona de casa de 29 anos, uma funcionária de um grupo hoteleiro de 37 anos e uma professora de 48 anos se encontram em narrativas de traumas produzidos pelo trânsito de Fortaleza. As três mulheres – as duas primeiras passaram por assaltos e a terceira tem pânico de dirigir - revelam mais um aspecto da violência urbana que estatísticas por estatísticas (quando existem) acabam tornando banal. O POVO continua a série “Medos urbanos”, iniciada no último dia 12, com relatos nervosos das ruas e alguma tentativa de conviver em paz com a metrópole. “Tentaram parar o carro da frente, mas ele desviou. Não entendi na hora, só depois vi o cara armado. Eram dois homens, a pé, no meio da pista. Disse pra minha irmã: ‘Abaixa, abaixa!’. E acelerei o máximo que pude”. A dona de casa, que pediu para não ser identificada, não esquece a manhã do domingo de aniversário, em 2006. Depois da tentativa de assalto, ela comemorou a vida duas vezes. “A sorte foi que eles não atiraram, graças a Deus”. A avenida José Leon (Cidade dos Funcionários), lugar do susto, era – e teve que voltar a ser - “o caminho mais rápido da minha casa para a BR-116”, refaz a vítima. “Já consigo passar por lá de novo, mas só em dias e horários que sei que o movimento é maior. Depois do caso, passei a ficar atenta e com receio em qualquer local da cidade”, pondera. E se tornou mais uma cidadã armada com a desconfiança. Uma “experiência muito ruim” também se desdobra em anos de medo para Ines Lamkey, coordenadora de Reservas de Grupo do Gaylord National Hotel (Maryland, EUA). Dois assaltos, em 1997 e 1998, alteraram profundamente a relação que ela mantém com Fortaleza. Em 97, Ines foi rendida por “um garotinho de uns dez anos” com um caco de vidro, enquanto estava em um sinal próximo ao Centro, no “comecinho de tarde”. Depois, dois homens em uma moto e com um revólver a abordaram quando ela chegava em casa, na madrugada do bairro Dionísio Torres. “O trauma foi intenso”, resume. Ines trocou o carro por outro com ar-condicionado (para andar com os vidros fechados), o portão por um automático, a casa por um apartamento. “O jeito de ‘lidar’ com o problema é se armar de grades, muros, alarmes e andares”, lamenta. Ela negou hábitos, até que se mudou para os EUA em 2000, também considerando que “sentir-me segura passou a ser uma prioridade na minha qualidade de vida”. Nos EUA, a “sensação de segurança”, atesta Ines, é promovida no dia a dia, pela confiança que se estabelece entre policiais, leis e civis: “Sempre vejo bastante policiais patrulhando as ruas, os quais são relativamente bem remunerados, têm boa formação educativa e são respeitados pelos cidadãos”. Em contrapartida, quando vem ao Brasil, ela reconhece, “costumo exagerar na dose de proteção. Não dirijo mais, quase não saio para lugar nenhum. Não é possível, para mim, dizer que me sinto 100% à vontade”. Pânico de dirigir Em outra direção, mas parte do trânsito assustador da Capital, a professora de 48 anos, que também pediu resguardo na identificação, não consegue ir além do Conjunto Ceará. “Fico muito tensa”. Ela tem carteira de habilitação há 15 anos e ressente a falta de educação dos motoristas: “Aqui (no bairro), reclamavam que não tinha sinais; hoje tem, e o povo avança”. Ela tenta vencer o pânico dos congestionamentos, mas a cidade precisa lhe indicar um caminho: “O trânsito, se continuar sem alternativas, tende a complicar”. Ultrapassar o medo foi a nova lição que a professora Ana Lúcia Farias, 37, e a autônoma Lineuda Gomes, 49, aprenderam anos depois de tirar a carteira de habilitação. Elas procuraram profissionais especializados em pânico de dirigir. “Tem muito o psicológico na produção e superação do medo”, fala Ana Lúcia. A professora “precisava cruzar a BR para ir trabalhar e, mesmo na faixa lenta, as pessoas andam muito rápido e ultrapassam pela direita”. Já a vendedora autônoma “tinha medo de bater o carro, de passar as marchas, de tudo” no trânsito que considera “louco, o pessoal não respeita ninguém”. O educador de trânsito George Silveira, 38, conhece essas angústias há 16 anos, desde quando fez um curso de direção defensiva no Detran de São Paulo e direcionou o trabalho para as pessoas com pânico de dirigir. Entre os alunos, 65% são mulheres, “de 20 a 60 anos, de todos os níveis sociais”. E a demanda é tanta que “se eu pudesse atender, seriam cem pacotes de aula por mês”. Guiado por cursos de psicologia, George afirma ser possível reverter o medo em coragem. “Vamos, conscientizando, conversando, enfrentando o medo”. O resultado, depois de 20, 30 aulas, é a liberdade que sente Ana Lúcia: “Hoje, ando na BR, pego estrada!”. Ou a felicidade de Lineuda: “Tenho um filho especial e meu maior sonho era levá-lo pra escola. Boto a cadeira de rodas no porta-malas, levo pro zoológico, pro shopping!”. ENTENDA A NOTÍCIA Nos congestionamentos das avenidas, no deserto das vias secundárias, ao parar no sinal vermelho, depois de sacar dinheiro no banco. Por causa da quantidade de veículos e pela falta de educação e cordialidade no trânsito. A população narra assaltos e pânicos nos diversos lugares e convivências da Capital. Ana Mary C. Cavalcanteanamary@opovo.com.br

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